Essaouira: a antiga Mogador


porto de pesca de Essaouira



                                                                       
Essaouira

                                                 
Ventos que sopram do Atlântico
                                                   
secam os rostos molhados
                                                   
em dias quentes de verão,
                                                 
sacodem os barcos azuis,
                                                   
na luz do cais, atracados,
                                                 
são fontes de inspiração.

                                                   
Na margem de todo olhar
                                                   
de quem ama navegar
                                                   
nas histórias do mar que o vento traz
                                                   
de terras longínquas até o cais,
                                                   
há um caminho longo a desvendar. (...)

                                                 
                                                   Leila Alves Schiele


muralha e artilharia de defesa costeira; canhões importados de Barcelona, e alguns canhões portugueses e holandeses, na Scala de la Kasbah (uma fortificação construída em dois níveis)




Em tempos difíceis, em que a população da Terra deve permanecer em casa e sair o mínimo possível, somente para ir ao mercado, ao médico, à farmácia, fazer alguns trabalhos indispensáveis ou dar uma voltinha até a esquina para exercitar-se ou levar o cachorro para fazer suas necessidades, podemos aproveitar esse tempo em casa para refletir, pensar, orar, meditar, praticar a introspecção, filosofar, conversar com Deus, com nossos familiares, conversar conosco, com a mãe Natureza, repensar nossas atitudes e valores e em que poderíamos melhorar, como por exemplo, cuidar melhor desse mundão que é nossa morada e pensar um pouco mais no próximo, ser solidários; pensar que necessitamos uns dos outros, e que estamos interligados, porque o que afeta alguém num continente distante, um dia também afetará aquele que está do outro lado do planeta, num efeito borboleta.

Nesses tempos turbulentos não podemos mais viajar para outras terras, porque um vírus invisível e silencioso que em dezembro apareceu na China, anda viajando pelo mundo e usando o ser humano como meio de transporte. É o princípio de uma nova era, de uma nova "ordem mundial" e dinâmica social, talvez seja o fim da globalização.

Mas podemos pelo menos recordar bons momentos vividos, viajar numa boa história, num livro ou numa música; ou podemos ficar à beira de um ataque de nervos por ter que encarar companheiro/a e filhos por mais que oito horas diárias; ou todo o contrário, podemos harmonizar com a família e ter mais tempo um para o outro, fazer as refeições juntos, ver um filme juntos; ou podemos escrever e sonhar, ter mais fé e acreditar que vamos superar esses tempos difíceis com a graça e proteção de Deus (na minha crença é momento de Quaresma, que vai da Quarta-feira de Cinzas até Quinta-feira Santa, são quarenta dias que antecedem a Páscoa, tempo de reflexão e de renovação); ou com a graça e proteção da Deusa ou dos Deuses, ou seja, em quem você aí do outro lado crê (não importa qual seja sua religião), porque seguramente existe um Ser que é superior a todos nós e a tudo o que conhecemos, que sempre está, mesmo quando nos sentimos inseguros e céticos, ínfimos e impotentes.


mulheres muçulmanas passeando nas ruas da medina


Hoje gostaria de relembrar a cidade de Essaouira, uma pérola do Marrocos, relatar e ilustrar alguns momentos preciosos.

Na Antiguidade, a baía de Essaouira e suas ilhotas conhecidas como Îles Purpuraires receberam a visita de muitos navegadores que transacionaram suas mercadorias com os povos locais; além do povo nativo berbere, foi habitada também por fenícios e romanos.

Essaouira, que na língua portuguesa se chamava Mogador, tornou-se  um ponto de passagem e de comércio de escravos que vinham da África Central, e por isso foi marcada socialmente e culturalmente por elementos árabes, berberes e negros.

No século XVI, os portugueses ocuparam o lugar e em 1506, o rei de Portugal, D. Manuel I, mandou construir o Castelo Real de Mogador, que era uma fortaleza junto ao porto de pesca.

No século XVIII, o sultão alauita Sidi Moahamed Ben Abdallah mandou construir nesta zona do litoral marroquino, um grande porto exportador que monopolizaria cerca de 60% de toda a atividade comercial entre Marrocos e o exterior.

Fortaleza portuguesa

muralha de Essaouira


torre de defesa na Scala du Port





Em 1506, a Coroa Portuguesa ordenou a construção de uma fortaleza na antiga Mogador, conhecida como Castelo Real de Mogador, obra realizada por Diogo de Azambuja. Em 1510 os portugueses saíram da cidade, talvez expulsos pelas tribos locais ou porque tinham muita dificuldade na defesa contra espanhóis, ingleses, holandeses e franceses que tentavam conquistar essas terras.



Esta bela cidade litorânea tem duas grandes fortalezas; está cercada por muralhas com canhões espanhóis, portugueses e holandeses; tem casas de muros brancos e azuis, ruas labirínticas com comerciantes vendendo especiarias e afrodisíacos na Medina; um porto tomado por barcos azuis, pescadores e gaivotas; um mercado de peixes, sua maior especialidade na culinária; tem cenários cinematográficos, onde foram filmadas a série Games of Thrones e o filme Otello - o Mouro de Veneza, de Orson Welles; tem muitos turistas explorando seus becos; ondas e ventos perfeitos para a prática de surf, windsurf e kitesurf em suas praias; foi refúgio de surfistas, de hippies e de artistas, e lugar preferido do guitarrista Jimmi Hendrix em 1968, enfim, Essaouira tem muitas histórias para contar.
Hoje em dia, suas ilhas Purpurinas estão fechadas para visita e são uma reserva natural de muitas aves.


barcos de pesca azuis no porto pesqueiro de Essaouira


Scala de la Kasbah



Scala du Port ao fundo, as duas torres, e Scala de la Kasbah no meio. Scala é por definição um conjunto de plataformas para o uso de artilharia de defesa. A reconstrução de Mogador, após o tsunami que acometeu a cidade, foi projetada pelo arquiteto militar francês Théodore Cornut, que vivia em Gibraltar e se inspirou no modelo de Saint-Malo. O projeto data de 1769.


os Souks de Essaouira



comerciantes de roupas, especiarias e afrodisíacos

gaivotas no porto de pesca de Essaouira


Essaouira ou Mogador também tem um gênero musical típico e muito amado por seus habitantes, chamado Gnaoua. Essa expressão referia-se primordialmente aos descendentes de escravos trazidos da Africa negra que trouxeram práticas rituais e musicais que perduraram até os dias atuais. Esses ritmos misturados com jazz e outras músicas fazem parte do festival de música realizado todo ano na cidade, no início da época estival.

Nesta cidade, os comerciantes não são tão insistentes como em Marrakech e deixam você observar tranquilamente suas mercadorias. As vestimentas das pessoas nas ruas variam entre o estilo árabe-muçulmano conservador e o estilo moderno europeu. Os contrastes arquitetônicos também são nítidos, com influência francesa, portuguesa e berbere.
Sua Medina está classificada como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO.







muito comércio e no final da rua a mesquita Ben Youssef, ao sudeste da medina




Nossa saga em direção à Essaouira começa às 7 h da manhã, quando pegamos um ônibus partindo de Agadir, uma cidade no litoral sul de Marrocos, a qual apresentarei em próximas postagens.

Passamos primeiro por Taghazout, um vilarejo turístico em construção situado na Costa Atlântica, a 20 km a norte de Agadir, conhecido por suas praias ótimas para a prática do surf. Pela janela do ônibus, meu olhar capturava cada centímetro de paisagem, atentamente, como eu costumava fazer na minha infância quando ia visitar a casa de meus avós paternos, uma viagem que levava um pouco mais de uma hora e que percorria uma boa parte do litoral da minha cidade, viagem que me fascinava.

praia Taghazout


Depois passamos por Tamri, uma vila a noroeste de Agadir, cheia de plantações de banana, e fomos subindo lentamente a estrada sinuosa das montanhas do Alto Atlas. Fizemos uma pausa em Tamanar para beber algo ou fazer um lanche, e o guia turístico nos contou um pouco sobre o idioma Tamazight do povo Amazigh originário de Marrocos. Os romanos chamavam esse povo de bárbaros e por isso mais tarde passou a ser chamado de berberes.

passando pelo vilarejo Tamri




na subida das montanhas do Alto Atlas, as cabras e o pastor, no vilarejo de Tamri


mulheres colhendo os frutos das árvores de argan (Argania Spinosa)


paradinha em Tamanar para fazer um lanche

uma linda árvore de argan na estrada

tendas de frutas, verduras e legumes


Seguindo viagem, passamos primeiro perto da Cooperativa feminina Tamounte e mais a frente paramos em outra cooperativa para visitá-la: a Cooperativa Marjana que fabrica o óleo de argan e vários produtos derivados desse óleo.

Cooperativa Tamounte


Cooperativa Marjana












Foi muito interessante ver as mulheres berberes fabricando artesanalmente o óleo, e a execução manual é dividida em várias etapas, das quais todas elas participam, alternando-se nas seguintes tarefas: quebrar a noz do argan, retirar as sementes, levar a um forno para tostá-las, moê-las, e retirar seu óleo. Por muitos anos, as mulheres marroquinas não podiam trabalhar, mas por causa da alta demanda pelo óleo e sua tradição de extração manual, elas passaram a trabalhar em sua produção nas cooperativas, e também passaram a estudar, sendo alfabetizadas.







Enquanto observávamos o trabalho das mulheres marroquinas, uma guia nos explicava todo o processo e no final da visita mostrou-nos os produtos. São necessários aproximadamente 30 kg de sementes para fabricar um litro de óleo, em 15 horas de trabalho manual. O óleo de argan é muito usado para hidratar os cabelos, para a pele, como cosmético antienvelhecimento, na culinária para fazer saladas saborosas, e ele também tem propriedades medicinais, sendo bom para dores de reumatismo.

tostando sementes de argan


extraindo o óleo de argan


produtos do óleo de argan, acompanhados de um chá de menta


O oléo de argan ou argão é uma joia rara do Marrocos, extraído da semente do fruto da Argania Spinosa, uma árvore que pode alcançar até dez metros de altura e viver por 200 anos! Essa planta se adapta perfeitamente às características naturais do sudoeste do Marrocos e é muito difícil de ser cultivada em outras regiões.


árvore de Argania Spinosa





saída da Cooperativa Marjana



Saindo da Cooperativa Marjana, seguimos de ônibus em direção a Essaouira.

Na próxima postagem, vamos passear mais pelas ruas pitorescas de Mogador.

Salaam Aleikum! Que a paz esteja sobre vós!



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